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quinta-feira, 31 de julho de 2014

O trabalho de "liga pontos" do paranóico!


Outro dia um paciente em análise (com fortes traços persecutórios) me disse que sentia-se o tempo inteiro preenchendo aqueles jogos de "liga pontos" para tentar provar que estava certo na forma como via o mundo. Ok, é uma razoável metáfora. Mas, ele se surpreendeu mesmo em começar a perceber que não está seguindo os pontos livremente para formar uma imagem que desconhece. O que ele faz, na verdade, é simplesmente, de forma intencional, ligar pontos que dão contorno a uma imagem que já tem em sua mente. Seu trabalho é menos o de um detetive que segue pistas para descobrir (para si) uma verdade, e mais o de alguém que liga os pontos para provar (aos outros) o que ele já sabe que é verdade. É a "certeza" e a "convicção" que tão bem alimentam a persecutoriedade e que não deixam espaço para a "dúvida"!

(José Henrique P. e Silva)

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Baudelaire: "Paraísos Artificiais (o haxixe, o ópio e o vinho)"

Compartilho aqui com os amigos uma rápida sinopse de um trecho do livro de C. Baudelaire (1821-1867). Ele ficou muito conhecido pelo livro “As Flores do Mal”, lançado em 1857 mas, pouco antes, em 1851 publicou o poema “Do Vinho e do Haxixe” que, dez anos depois (1861) viria dar origem a "Paraísos Artificiais". No final deste poema já trazia o tom que marcaria o futuro livro:

O gosto frenético do homem por todas as substâncias, sãs ou perigosas, que exaltem sua personalidade, testemunha sua grandeza. Ele aspira sempre a reavivar sua esperança e a elevar-se ao infinito. Mas é preciso ver os resultados. Temos um licor que ativa a digestão, fortifica os músculos e enriquece o sangue. Tomado em grande quantidade, apenas causa desordem passageira. Temos uma outra substância que interrompe as funções digestivas, que enfraquece os membros e que pode causar uma embriaguez de vinte e quatro horas. O vinho exalta a vontade; o haxixe a aniquila. O vinho é suporte físico; o haxixe é uma arma para o suicídio. O vinho nos torna bons e sociáveis; o haxixe nos isola. Um é laborioso, por assim dizer, o outro essencialmente preguiçoso… enfim, o vinho é para o povo que trabalha e que merece bebê-lo. O haxixepertence à classe dos prazeres solitários, é feito para os miseráveis ociosos.
A citação merece ser vista em detalhes e, para isso, é bom recorrer logo ao livro “Paraísos Artificiais”. Para Baudelaire,
O bom senso nos diz que as coisas da terra não existem inteiramente e que a verdadeira realidade só é encontrada nos sonhos (…) Tanto quanto de uma droga perigosa, o ser humano goza do privilégio de poder tirar novos e sutis prazeres da dor, da catástrofe e da fatalidade.
Estas duas frases de C. Baudelaire estão em sua curta dedicatória do livro à uma amiga, e são reveladoras do caminho que irá percorrer neste trabalho: o de mostrar a extrema fluidez da “realidade”, um conceito aparentemente físico, mas imerso na fantasia e no sonho, e o de como o homem busca caminhos os mais diversos como fontes de prazer, ou atenuação da sua dor.

O ponto de partida? Segundo Baudelaire o "gosto pelo infinito". Mas, o que é isto? Segundo Baudelaire quando temos o cuidado de observar a nós mesmos notamos dias felizes e minutos deliciosos. Trata-se de estados excepcionais, paradisíacos, superiores, anormais, encantadores, estranhos,
onde uma sensibilidade delicada não é mais perturbada por nervos doentios, estes frequentes conselheiros do crime ou do desespero (p.12).
É daí que deriva o gosto pelo infinito, pelo prazer sem fim. Não à toa, então, o homem busca nas ciências os meios de escapar à sua “morada de lobo”, tentando chegar ao paraíso de forma mais rápida. Mas, suas opções de caminho são questionadas por Baudelaire, afinal o homem cai em uma depravação, à qual atribui as razões pelos “excessos culposos”, como no caso da embriaguez.

A semelhança aqui com Freud é inevitável, só que com mais de meio século separando-os. Freud coloca as drogas como um dos meios através dos quais os homens buscam a via do prazer, ou, pelo menos, atenuar a sua dor.

São estas drogas que, para Baudelaire, criam um “ideal artificial“, um “falso ideal”, que passamos a perseguir. Exemplos destas drogas? O haxixe e o ópio. É do uso destas duas substâncias que Baudelaire vai, através de depoimentos, tentar entender este mecanismo de busca pelo “Paraíso Artificial”.

Mas, vou me limitar aos comentários sobre o haxixe. Inicialmente, Baudelaire nos faz uma descrição do haxixe e de seu preparo em pasta. Em seguida, faz um relato pormenorizado da “embriaguez” causada pelo haxixe. Precisamos, aqui, entender a “embriaguez” em seu sentido amplo, de “perda de sentido”.

Fala, inicialmente, da expectativa por sonhos prodigiosos (alucinações) que, na realidade, não trazem nada de miraculoso, apenas excessivo, já que o efeito no cérebro é o de aumentar os fenômenos sonhados. Vive-se uma viagem, intensa, marcada pela inquietação.

É esta inquietação que, logo depois, transformam-se em angústia, tristeza, tortura.´O processo é simples. Uma certa hilariedade extravagante dará lugar a uma ideia de superioridade, genialidade, por sua vez, seguida de um objeto de terror, pânico para, enfim, dar lugar a uma infelicidade de proporções grandiosas. É uma sensação de apaziguamento onde o velho corpo já não parece sustentar os desejos da nova alma. A viagem parece interminável, embora só dure alguns minutos.

Nos momentos finais vem a sagacidade, os sentidos ficam muito apurados e têm lugar as alucinações. Os objetos tomam formas diferentes.
A ideia de uma evaporação, lenta, sucessiva, eterna, tomará conta de seu espírito, e voce aplicará em seguida esta ideia aos seus próprios pensamentos (p. 36).
A percepção do tempo está completamente alterada. No dia seguinte, o cansaço é grande.
Mal você se levanta e um velho resto de embriaguez acompanha-o e o atrasa como os grilhões de sua recente servidão. Suas pernas fracas conduzem-no com timidez e a cada minuto você teme quebrar-se como um objeto frágil… É a punição pela prodigalidade ímpia com a qual gastou seus fluídos nervosos. Voce disseminou sua personalidade aos quatro ventos do céu e, agora, que dificuldade encontra para reuni-la e concentrá-la (p. 44).
Mas, pergunta Baudelaire, qual a moral do haxixe? O fundamental seria reconhecer a ação do veneno sobre a parte espiritual do homem, isto é,
O engrandecimento, a deformação e a exageração de seus sentimentos habituais e de suas percepções morais…(p.45).
Que logo se transforma em servidão.

É por isto que Baudelaire classifica o haxixe como um “inimigo perturbador”, um “demônio desordenado” que causa profunda “devastação moral”, resultado daquela episódica sensação de ser um rei que “vive na solidão de sua convicção”.

Trata-se de um rápido momento em que a natureza humana é “corrigida e idealizada”, onde se pode dizer: “sou o mais virtuoso dos homens!… sou o centro do universo!… sou Deus!“.

Mas, é um “jogo proibido” onde o homem vende sua alma para não ter mais que suportar as condições de sua vida real. É, como diz Balzac, a “abdicação da vontade“.

Aqui temos um ponto central em Baudelaire: tentamos eliminar a dor abdicando da vontade e da liberdade para tentar alcançar os prazeres do paraíso. Trata-se, entretanto, de um prazer viciante, um paraíso conquistado à custa da saúde. Dessa forma, conclui Baudelaire:
O haxixe, como todos os prazeres solitários, torna o indivíduo inútil aos homens e a sociedade supérflua para o indivíduo, levando-o a admirar a si próprio sem cessar e empurrando-o, di a dia, ao abismo luminoso onde ele admira sua face de narciso (p. 63)
Baudelaire não admite a servidão da vontade, da intenção, da contemplação em troca de um prazer momentâneo, embora grandioso…mas narcisista.

Cabem algumas indagações sobre este tema: Onde está, de fato, nosso “jardim da beleza verdadeira”? Como alcançá-lo? Podemos, de fato? A que custo? Ou ele só nos faz lembrar de nossos limites, angústias e dores?

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Baudelaire, Charles. Paraísos Artificiais. Tradução de Alexandre Ribondi, Vera Nóbrega e Lúcia Nagib. – Porto Alegre: L&PM, 2011.

domingo, 27 de julho de 2014

O fascínio pelo psicopata e seus crimes!

Outro dia estava conversando com um colega e ele me perguntou: Por que temos um fascínio por crimes cometidos por psicopatas? A pergunta é legítima sim! Há algo de muito instigante aí. Eu, particularmente, acho o psicopata "comum" mais interessante, pois ele se mistura a todos nós e praticamente "desaparece", sendo de difícil identificação. Mas ele se referia aos criminosos, assassinos. Esses psicopatas nos chamam a atenção para um medo que todos temos: o de "enlouquecer". Todos sabemos dessa possibilidade, todos sabemos que podemos surtar, que podemos cometer loucuras...enfim! 

Ver, ler ou falar sobre isso, então, é uma forma de liberar tal sentimento de medo e dar a ele algum significado mais tranquilizador. Pode ser que não seja assim para todos, mas para uma boa parte de nós é assim que funciona. Daí o faascínio. É uma forma de lidarmos, inconscientemente, com nosso inconsciente, mantendo nossos medos de alguma forma suportáveis. Por isso que, com nossa curiosidade, ao nos colocarmos no lugar do psicopata estamos em busca de algo sobre nós mesmos!!!

Ali, no terreno do crime da loucura, muitas vezes não se tem "provas" que possam ser coletadas, mas existe muita raiva, ódio, desejos, medos...e todos são armas muito perigosas. Geralmente os policiais não atentam para esses "detalhes". 

(José Henrique P. e Silva)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A psicose e o "outro"

No tratamento da psicose é necessário lembrar que o paciente não lida com o simbólico, ou seja, com aquilo que se pode representar, sendo preciso, constantemente, "nomear" para que ele possa ir refletindo e tentando encontrar "sentido" em suas ações e na sua relação com o outro. Com isso ele pode ir se dando conta, gradativamente, do lugar e da importância da "palavra", pois com ela poderá simbolizar e representar. Isso é uma alternativa ao fato de ele sempre encontrar "o mesmo" (aquele que está marcado por um traço ruim) na sua relação com o outro.

sábado, 21 de junho de 2014

A "voz" que o psicótico escuta!

Todos sabem que algo muito característico das situações de psicose é o fato de se escutar "vozes". Mas, que "voz" é esta que o psicótico (paranóico, esquizofrênico etc.) escuta e que lhe parece assombrar? Esta voz é resultado de um "processo de psicotização". Como isso ocorre? De forma geral, na psicose, o indivíduo quando diante de uma determinada situação específica (traumática) pode vir a considerá-la insuportável e, a partir daí, tentar "defender-se" expulsando essa ideia de si mesmo. Essa "expulsão" da ideia diminui sua angústia mas o custo disso é amputar uma parte de si mesmo, ou seja, alienar-se em relação à realidade, desligar-se, como se passasse a viver em "outro mundo". É nesse sentido que, para continuar sobrevivendo acaba por desenvolver alucinações e delírios na tentativa de compor uma nova realidade mais suportável. Assim, a "voz" que escuta é resultado de seus delírios e alucinações, é sempre um pedaço de si mesmo que foi pretensamente "expulso" e que, parece vir de "fora", como se fosse uma voz tirânica que o domina. Mas, na realidade, a "voz" é um pedaço seu, é a voz do seu próprio inconsciente, lembrando-o, de forma assustadora, daquilo que foi insuportável para ele.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Acompanhante Terapêutico

Tenho conhecido uma garotada que, ainda bem nova, se fascina pelo atendimento psíquico (pois é...essas coisas podem fascinar rsrs). Na grande maioria das vezes nem são estudantes de psicologia ou mesmo têm formação em psicanálise. São estudantes ou mesmo profissionais de outras áreas que, simplesmente, querem atuar junto a pessoas que possuem algum tipo de transtorno psíquico. Em outras vezes nem tão jovens, mas dispostos a encarar novos desafios, o que é sempre fantástico na vida de qualquer um. O que digo a eles? Transforme-se num AT (acompanhante terapêutico) e vivencie as situações para saber se é realmente um campo que vai te dar satisfação! O AT é um profissional que atua muito fortemente em hospitais e casas de saúde acompanhando um ou dois pacientes por algum tempo. Ele não faz uma intervenção "psi" (psicológica ou psicanalítica), mas a partir de uma formação de mais ou menos 1 ano ele recebe teoria e supervisão para atuar na vida destes pacientes. Os pacientes não são os "neuróticos" clássicos dos consultórios. São os casos que beiram a psicose, ou seja, a tradicional "loucura" em suas múltiplas facetas. É um bom começo, meio duro, mas que dá um bom panorama dos desdobramentos psíquicos de um paciente.

terça-feira, 17 de junho de 2014

O espelho da psicose!

É muito comum se associar a psicose, mais particularmente a esquizofrenia, com a imagem de um rosto em um espelho todo partido. Esta imagem é clássica porque o psicótico tem a necessidade de se "encontrar" no espelho,ver a si mesmo, reconhecer-se. Algo que lhe faltou na origem, ou seja aquele olhar de reconhecimento pelo outro que nos constitui e que é simbolizado pelo olhar materno carregado de afeto. Mas, o fato é que o psicótico ao olhar o espelho vê algo que o agride e assusta. Trata-se de um sujeito que não se enxerga, daí se ver, quase sempre, como desmembrado, desfigurado, retalhado. Esta é a representação que o psicótico faz de si para os outros. Ele sente-se e vê-se assim. reintegrá-lo é a tarefa do tratamento. Tarefa, é bom que se diga, muito difícil dependendo do estágio de dissociação em relação à realidade!!!

Castração e Sociabilidade

Todo mundo sabe o que é castração né? De forma bem simples, é aquela interdição causada pela imposição de uma lei, de uma regra, de um limite. Isso que interdita, castra! Estamos falando, então, de um mecanismo que é inevitável ao neurótico (todos nós!!!) e bastante interessante pois é o que nos possibilita, em grande parte, sermos sociáveis, criar laço social, além de nos neurotizar, é claro. Para entender bem a castração é bom pensar, por exemplo, nos efeitos que uma LEI nos causa. Diante de uma lei nos "encolhemos", nos submetemos, sofremos um pouco por não poder realizar o que queremos mas, ao mesmo tempo, é esta restrição que nos leva a conviver socialmente. Imagina um trânsito de uma grande cidade sem regras, como seria a convivência social? Aceitar a lei nos faz sofrer mas traz a possibilidade do laço social. 

O neurótico não escapa à lei, sofre por ela ou a aceita. O perverso busca "driblar" a lei para o atendimento a seu prazer exclusivo e egoísta. O psicótico não teve a chance de ser interditado pela lei e se dissocia da realidade. É neste sentido que Freud tinha algo que o fazia enxergar no homem uma natureza primária agressiva, egoísta, que busca a realização do seu prazer mais imediato e de forma absoluta. A castração, então, tentaria impor limites a esses desejos, preparando o indivíduo para aceitar o outro e o seu desejo também!!! Simbolicamente, a castração ocorre quando um terceiro (o "pai" por exemplo) se coloca entre os dois que parecem estar numa relação fusional (mãe e bebê). Claro que isso ocorre de muitas formas, é só um pequeno exemplo bem simples!!!

A "errância" psicótica

Lidar com situações psicóticas nunca é tão simples, especialmente pela chamada "errância psicótica", um de seus traços marcantes. Um tipo de comportamento que defino como o de alguém que está "trancado pelo lado de fora", ou seja, apesar de estar do lado de fora e possuir a liberdade ele não tem nenhuma "direção". Seu caminhar seria como um daqueles jogos de "liga pontos" que, entretanto, não forma imagem alguma. Também não se trata de uma experimentação da liberdade (como aquela vontade de simplesmente sair por aí sem rumo), pois não há liberdade a ser experimentada por mais que ele tenha o mundo inteiro para andar. Ele está na situação de vítima de um delírio que não lhe permite ancorar em porto algum. Um razoável exemplo desta situação "errante" está no filme "Na Natureza Selvagem" (Into the Wild), cuja busca do personagem por chegar ao Alasca, e alcançar sua maior integração com a natureza, era só um motivo para não chegar a lugar algum. É um belo filme, e a trilha sonora de Eddie Vedder é um show a parte.